A Reforma Tributária e a Centralização do Poder em Brasília: Uma Análise Crítica
O artigo analisa criticamente como a reforma tributária, sob o pretexto de simplificação, promove uma perigosa centralização do poder em Brasília, ameaçando a autonomia de Estados e Municípios e enfraquecendo o pacto federativo brasileiro.
Bruno F. nabuco, Contador
10/10/20254 min read


A Reforma Tributária e a Centralização do Poder em Brasília: Uma Análise Crítica
A reforma tributária aprovada no Congresso Nacional vem sendo apresentada como um avanço histórico para o sistema fiscal brasileiro, prometendo simplificação, transparência e maior racionalidade na arrecadação. Contudo, por trás desse discurso de modernização, surge uma preocupação latente: a consolidação de um processo de centralização tributária em Brasília, que pode comprometer estruturalmente a autonomia federativa e a descentralização de poder no país.
O discurso da simplificação versus a realidade da concentração
O Brasil historicamente convive com um sistema tributário complexo, fragmentado e oneroso. A promessa de substituição de tributos por um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) soa, em tese, como uma medida de racionalização. No entanto, ao retirar dos Estados e municípios a prerrogativa de legislar sobre importantes tributos, como o ICMS e o ISS, a reforma enfraquece a descentralização prevista na Constituição de 1988, que sempre buscou fortalecer o pacto federativo.
Na prática, o novo modelo tende a reduzir a margem de autonomia dos entes subnacionais, transferindo para um Conselho Federativo, sediado em Brasília, a responsabilidade pelas decisões sobre alíquotas, compensações e rateios. Essa estrutura burocrática não apenas distancia o poder de decisão do cidadão, mas também coloca Estados e municípios em posição de dependência frente ao governo central.
O risco de uma federação nominal
A federação brasileira, ao menos no papel, foi desenhada para equilibrar interesses locais e regionais, garantindo que Estados e municípios tivessem recursos e autonomia para implementar políticas públicas alinhadas às suas realidades. A reforma tributária, ao uniformizar a arrecadação e recentralizar decisões, ameaça transformar esse modelo em mera ficção, aproximando o Brasil de uma estrutura quase unitária, onde a autonomia local se torna simbólica.
Esse processo não é isolado. Ao longo das últimas décadas, observa-se uma tendência de concentração fiscal no governo central, que arrecada a maior parte dos tributos e define os critérios de repasse. A reforma, em vez de reverter esse quadro, aprofunda-o ao criar um sistema em que os entes federados passam a ser administrados por um colegiado altamente influenciado por Brasília.
Impactos políticos e econômicos da centralização
Do ponto de vista político, a centralização da arrecadação amplia o poder de barganha da União. Governadores e prefeitos, para viabilizar suas agendas, tornam-se cada vez mais dependentes de repasses e negociações no Congresso ou no Executivo federal. Isso não apenas distorce a lógica do federalismo, mas cria um ambiente de instabilidade em que a política tributária local perde relevância.
No aspecto econômico, a ausência de flexibilidade tributária regional pode sufocar estratégias de desenvolvimento adaptadas às particularidades locais. Estados que antes utilizavam incentivos fiscais como ferramentas de atração de investimentos veem-se limitados, tornando-se homogêneos em um cenário de concorrência global. Essa homogeneização, longe de equalizar desigualdades regionais, pode aprofundá-las, já que a perda de autonomia compromete iniciativas criativas e customizadas de gestão econômica.
O “objetivo oculto”: poder e governabilidade
Embora a narrativa oficial da reforma seja a simplificação e a eficiência, não se pode ignorar que a centralização dos instrumentos tributários gera — como efeito colateral, ou talvez como objetivo implícito — o fortalecimento da governabilidade do poder central. Concentrar em Brasília as decisões estratégicas sobre arrecadação e distribuição de receitas significa reduzir os pontos de resistência política e fortalecer a capacidade da União de impor agendas nacionais sem enfrentar contrapontos significativos nos níveis estadual e municipal.
Essa lógica se insere em um contexto mais amplo de centralização política, em que a União, ao controlar os recursos, assume a condição de árbitro supremo das disputas federativas. O pacto federativo, em vez de um espaço de cooperação equilibrada, transforma-se em uma arena de dependência e subordinação.
Considerações finais
A reforma tributária pode, sem dúvida, trazer ganhos de simplificação e eficiência em alguns aspectos técnicos. Todavia, é essencial que se reconheça seu efeito colateral mais profundo: a centralização do poder em Brasília, em detrimento de uma verdadeira descentralização federativa. O risco é que, ao uniformizar e recentralizar, o país caminhe para um modelo no qual Estados e municípios se tornem meros executores de políticas decididas no centro, perdendo a capacidade de adaptar soluções às suas realidades e fragilizando o ideal democrático de proximidade entre o poder público e o cidadão.
O desafio que se impõe, portanto, é duplo: aproveitar os avanços prometidos pela reforma, mas não perder de vista a necessidade de preservar a essência do federalismo brasileiro — a pluralidade, a autonomia e a diversidade que são, afinal, os pilares de uma nação continental como o Brasil.
Análise elaborada pela Práxis, com o propósito de contribuir para o debate técnico e político sobre os impactos federativos da Reforma Tributária no Brasil.
Referências legais
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988:
Art. 18 – Organização político-administrativa da República;
Art. 145 – Competência tributária da União, Estados e Municípios;
Art. 155 – Competência dos Estados e do Distrito Federal;
Art. 156 – Competência dos Municípios.